29 de novembro de 2006

Cascudo no Planeta Hemp


Por Franklin Jorge

Antenado com o saber culto e popular, o escritor Luís da Câmara Cascudo sempre viveu à procura do conhecimento. E, aberto a toda e qualquer indagação do espírito, nada do que é humano lhe foi desconhecido. Assim, sua pesquisa sobre a maconha nos mostra um Cascudo interessado num tema desde o início colocado sob suspeição pela sociedade de seu tempo.

Cascudo sabia que o estudo não é popular. Por isso, foi buscar, na pesquisa e no conhecimento científico, os elementos necessários ao reconhecimento efetivo de temas restritos a guetos, como a maconha, uma droga então associada a rituais de magia ou consumida por excluídos e marginais, como os catimbozeiros e xamãs de cultos afroameríndios.

Desde o início, Cascudo apercebeu-se do prestígio da maconha e a estudou em vários escritos, inclusive em “Civilização e Cultura”, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, e em “Dicionário do Folclore Brasileiro”, dois de seus livros capitais.

Escravos africanos colocaram o Brasil na rota da maconha, depois que a erva chegou à América Central, de onde irradiou-se para o México e Estados Unidos, grandes consumidores, apesar da contumaz repressão policial.

A princípio, a maconha teve função nos cultos religiosos e no tratamento de dores, porém a malandragem a adotou como estímulo à coragem e ao relaxamento físico e mental do estresse provocado pelas tensões da vida cotidiana.

É provável que Cascudo tenha conhecido a maconha ao tempo em que estudou medicina na Bahia, nome pelo qual a cidade de Salvador era universalmente referida, ou no Recife, endereços ligados à sua formação. Em seus anos loucos, o jovem Cascudo terá colocado em prática o conselho de Mário de Andrade, de voltar-se para o estudo dos mundos inferiores da cultura, tão distantes da sua inclinação primeira para a valoração do aristocracismo provinciano. E mergulhou, a partir de então, numa Natal secreta, em busca da alma boêmia da cidade. É por essa época que se interessa pelo catimbó e passa a freqüentar os terreiros do Alecrim e Redinha, bairros conhecidos pela prática desses rituais periféricos, tolerados pelo patriciado.

Tendo-se mudado para Natal, no limiar dos anos vinte, o escritor, antropólogo e técnico em agricultura Nunes Pereira, profundo conhecedor dos costumes indígenas, terá influenciado Cascudo, de alguma forma, no estudo da maconha. Juntamente com o poeta e dramaturgo Jayme Wanderley, formavam uma trinca inseparável que percorria a cidade, parando em lugares sobre os quais pairava uma aura de suspeição.

Data dessa época, não resta dúvida, o começo de sua proveitosa e extensão relação com catimbozeiros e prostitutas, boêmios e marginais, fontes primárias de pesquisas urbanas que constituiriam a obra futura, muito diversa dos exercícios literários iniciais realizados sob o influxo de um gosto estético decadentista, condenado sem rodeios pelo pai de “Macunaíma”, romance tecnicamente um tanto forçado através do qual Mário de Andrade quis decodificar a alma do povo brasileiro.

Bem informado, como sempre, Cascudo escreve que no Nordeste do Brasil existem grandes plantios regulares e secretos da erva e que a maconha sempre foi vendida “clandestina e abundantemente sob a forma de cigarros”. A repressão terá surgido, de maneira mais constante e eficaz, com a implementação de uma indústria do fumo, patrocinada, em grande escala, pela Cia. Souza Cruz.

Segundo o mestre da etnografia, o prestígio é da maconha, “doadora de sonhos inimagináveis e não do prestante cânhamo, fornecedor de cordas e sacarias pelas fibras liberianas”.

A maconha e seus nomes, segundo Cascudo: “Maconha: Diamba, liamba, riamba, marijuana,rafi, fininho, baseado, morrão, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea, maricas --Canabis sativa--, cânhamo, herbácea de origem asiática, vinda para o Brasil com os escravos negros africanos, segundo a maioria dos estudiosos. Ópio do pobre, fumam as folhas secas como cigarros, morrão, com dois gramas, baseado com um e setenta, fininho com um grama. Há também o maricas, que no Maranhão chamam boi, cachimbo feito com uma garrafa, um cabaço –lagenaria—ou feito de barro cozido, como tenho visto, com recipiente para água, lavando a fumaça, como o narguilé turco. Estimulante, dando a impressão de euforia, deixa forte impressão, a lombra, que só desaparece com super-alimentação, a planta tem seus segredos e técnicas até na colheita. Há os pés machos e fêmeas. Os machos de nada servem. “Colhê-las, assoviando, ou na presença de mulher mesntruada, troca o sexo da planta, a planta fêmea macheia e perde as virtudes” –Garcia Moreno, “Aspectos do maconhismo em Segipe”, dez, Aracaju, Sergipe, 1949. A maconha é estimulante, fumada pela malandragem para criar coragem e dar leveza ao corpo. Não há conhecimento de ter a maconha algum cerimonial secreto para ser inalada. Como sucede no México, onde a dizem marihuana, grifa, somadora, oliukqui entre cantos de louvor. Nos catimbós usam rara e sempre ocultamente, o óleo da liamba nos trabalhos difíceis. Nos xangôs e candomblés não há prova do seu uso. É mais de predileção de gatunos e vagabundos. Bibliografia essencial: José Lucena, “Os fumadores de Maconha em Pernambuco”, e “Alguns Novos Dados Sobre os Fumadores de Maconha”, Arquivo da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, ano IV, I, 53, 1934, e 1-2, 197, 1935, Recife; Rodrigues Dória, “Os fumadores de maconha”, Bahia, 1916, Garcia Moreno, acima citado; Jarbas Pernambucano, “A Maconha em Pernambuco, Novos Estudos Afro-brasileiros”, 187, Rio de Janeiro, 1937; R. Cordeiro de Farias, “Campanha Contra o Uso da Maconha no Nordeste do Brasil”, Rio de Janeiro, 1942, etc. Mário Ypiranga Monteiro, “Folclore da Maconha”, Revista Brasileira de Folclore. No. 16, Rio de Janeiro, 1966” – in “Dicionário do Folclore Brasileiro”, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1984.

Escritor curtia um bom charuto

O escritor Luís da Câmara Cascudo considerava o ato de fumar, “um vício gostoso”, e o cultivou por toda a vida. Desde muito moço, já curtia um bom charuto.durante anos, costumava comprá-los, primeiro, na loja do português Manoel Machado e, depois, fechado o seu comércio, na Confeitaria Delícia, que ajudaria a torna-la conhecida e famosa, como um dos principais endereços da boemia natalense.

Em sua obra monumental “Civilização e Cultura”, escreveu um capítulo de muita erudição e bom humor sobre o fumo, conhecido relaxante utilizado para o alívio de quase todos os males, desde a mais remota antiguidade. Panacéia antárctica, erva de todos os males, erva santa, em mil65oito o Dr. Wil Piso – “De Indiae Utriusque re Naturali it Medica” – assombrava-se coma expressão domnadora, “de sorte que agora, como o vento hibernal, fumo do tabaco cicia o urbe universal”.

Já velho, Cascudo tinha o hábito de fumar sozinho, cismando, na ampla de jantar do casarão da Avenida Junqueira Ayres, sentado na cadeira de balanço que pertencera ao seu coronel Francisco de Oliveira Cascudo, seu pai. Se algum dia chegou a fumar maconha, não ficou nenhum registro dessa experiência. Certa vez, interessado na pesquisa do tema, entrevistei o escritor José Melquíades, amigo e companheiro do mestre, que se saiu com a seguinte cabalística resposta: “Quem fuma, fuma de tudo...”

28 de novembro de 2006

Gastronomia entre uma farra e outra no Beco da Lama

Norman Goldie, primo do ator Sean Connery, tio da atriz Goldie Hawn, um chef especialista em várias cozinhas do mundo, experimentando a "Galinha com feijão troupeiro", do Bar da Amizade.

Por Rafael Duarte

O futebol, antigamente, era alvo certo dos frasistas da hora. “Tem coisas que só acontecem ao Botafogo”, por exemplo, foi um dos grandes achados do general Severiano, torcedor do time que mais tarde daria nome à sede do clube, no Rio de Janeiro.
Trazendo para a praia potiguar, Luís da Câmara Cascudo também entrou para o time quando afirmou que o Rio Grande do Norte tinha um povo chamado ABC. Mas que diabos tem a ver o futebol com uma reportagem que fala sobre o beco mais popular de Natal? Bom, sábado passado, na final do terceiro festival gastronômico Pratodomundo, organizado pela Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA) e agência cultural Sesi/Sebrae, o Beco da Lama que premiou a tradicionalíssima “Carne de sol na brasa” do bar e restaurante Caicó na Brasa com um troféu em forma de prato criado pelo artista plástico Flávio Freitas e R$ 600 foi, digamos, um prato cheio para a turma da frase pronta.
A começar pela tensão dos freqüentadores do local frente à batalha do América contra o Atlético Mineiro, em Belo Horizonte, que levou o clube potiguar de volta à elite do futebol nacional. Em todos os bares, uma TV ligada acompanhada de torcedores e secadores do time vermelho.
Passada a embriaguez inicial pela alegria que tomou conta do local após o final da partida, um outro fato provou porque o Beco da Lama é um celeiro de causos pitorescos. Sorteado num critério de desempate pela coordenação do evento, o quinto prato classificado para a final do Pratodomundo seria a “Língua ao molho beco”, do bar do Aluízio. Seria porque, assim como lá, por aqui também existem coisas que só acontece no Beco da Lama. O proprietário do estabelecimento tomou um porre, fechou a casa e deixou os jurados com a “língua presa”.
Sorte do bar da Amizade, que concorreu com a “Galinha com feijão tropeiro”. Mas aquela tarde de sábado ainda reservava munição aos mais atenciosos. Quem percebeu aquela figura alta, de cabelos e barba brancos com jeitão de gringo andando atrás de provar os pratos do festival, deve ter ficado com a sensação de que já o tinha visto em algum filme americano. Pois quase acertou.
Convidado pela produção do Pratodomundo para compor o júri, o chef de cozinha canadense, Norman Goldie, roubou a cena. Primo do ator Sean Connery, tio da atriz Goldie Hawn, ex-pantera e um chef especialista em várias cozinhas do mundo, ele emocionou as cozinheiras dos bares que participaram do festival. Uma delas, Magda Paula de Lima, do bar da Amizade, confessou que se arrepiou toda quando o “home” entrou na casa. “Ave maria, é muita responsabilidade! E pensar que tirei uma foto abraçado com ele. Fico até sem jeito de cozinhar para um homem desse. Mas vai dar tudo certo, vamos ganhar esse concurso. Ai que estou arrepiada”, disse emocionada.
Goldie falou da alegria de participar do evento. Ele conta que o fato de ter passado mais de 15 anos como chef da Rainha Elizabet, na Inglaterra, não diminui em nada a experiência que teve no Pratodomundo. “A descoberta dos melhores cheiros não está nos grandes hotéis do mundo, mas no meio da rua, junto ao povo. Encontrei no Beco um estilo de beco. A rainha Elizabeth é uma graça, uma mulher de hábitos simples, não é uma prima-dona. É um prazer imenso estar participando dessa festa no Beco”, disse.
A vencedora e proprietária do bar e restaurante Caicó na Brasa, se disse emocionada ao lembrar que mesmo estando há pouco tempo no Beco já ganhou o prêmio. “Faz só um ano que mudei para o Beco, estou muito feliz em participar do festival e vou participar também no próximo ano. Queria só dizer que meu bar fica na rua Vigário Bartolomeu, por trás do camelódromo”, mandou o recado.
Para os próximos anos, no entanto, a organização deveria repensar questões como a sinalização do evento, através de placas e distribuição de panfletos. Quem foi ao Beco pela primeira vez durante o festival, certamente ficou perdido. Não havia placas indicando os bares participantes e seus respectivos pratos concorrentes. Como alguns estabelecimentos ficam nas adjacências do local, faltou esta conexão.
Para o atual presidente da SAMBA, Bira Lemos, o objetivo do Pratodomundo foi conquistado: chamar a atenção da comunidade do Beco da Lama para o Centro Histórico. Segundo ele, se as pessoas vão ao shopping mesmo que não tenham dinheiro para comprar algum produto, poderiam fazer o mesmo no Centro. “O Centro tem tudo o que um shopping tem com preços mais baixos. Tivemos um público médio nos três dias entre 1500 e 2 mil pessoas no horário dos shows. O beco hoje é uma vitrine. O Pratodomundo foi um sucesso”, disse.
Classificação
1º Carne de sol na brasa (bar e restaurante Caicó na Brasa) - R$ 600
2º Galinha Caipira com feijão tropeiro (bar da Amizade) - R$ 400
3º Cupim ao molho beco (bar de Nazaré) - R$ 300
4º Costelinha de porco ao molho samba (bar do Pedrinho)
5º Peixe ao molho beco (bar Bardallos)

24 de novembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte VII

Crianças perfiladas esperam a hora para cantar o Hino Nacional.


Natal, 03 de outubro de 2006.

"Poeta matuto cum nome de americano"
Bob Motta

O meu nome é Bob Motta,
sô matuto, bicho hôme.
Mais munta gente incucada,
seu pensamento cunsome.
Quando a questão vem à tona,
todo mundo questiona,
o pru quê dêsse meu nome.

E ais pessoa tem razão,
de istranhá, seu fulano.
Diz qui ao me registrá,
meu pai cumeteu um ingano.
Eu, um poeta matuto,
de linguajá puro e bruto,
cum nome de americano.

Por ser uma semana atípica no 2º Núcleo Educacional de Apoio à Criança e ao Adolescente, onde haverá comemorações a partir da quarta-feira, dia 04 de outubro, celebrando o “mês das crianças”, resolvemos antecipar nossa aula para os dois primeiros dias dessa semana dedicada aos seres humanos de pouca idade.

O professor Ary retomou o assunto da aula passada, falando do Estatuto da Criança e do Adolescente para uma platéia de cinco alunos desinteressados no tema proposto. As duas meninas ficaram a maior parte da aula de cabeça baixa como em outras oportunidades e os meninos, mais ativos, se admiraram com a palavra “gozar”, quando o professor falou dos direitos das crianças e adolescentes protegidos pelo ECA. Naquele momento, os meninos fizeram zombarias com alusões aos atos sexuais. Mas, com a explicação de outros significados para o verbo “gozar”, eles descobriram que pode ser um adjetivo, como na frase “achei a brincadeira muito gozada” ou como verbo em “o menino gozou todos os seus direitos”.

Ainda com uma esperança de obter resultados satisfatórios, voltamos às aulas com a Literatura de Cordel, buscando facilita a leitura e compreensão de textos. Foi explicado aos alunos que os folhetos servem para colocar o aluno em contato com a tradição oral e o romanceiro popular, mostrando o outro lado da “história” não contada nos livros didáticos tradicionais e ainda colocando o aluno em contato com a rima, a métrica e o ritmo poético do povo.

Além de permitir uma melhor expressão verbal e escrita, nossa pretensão era despertar no aluno a criatividade poética e um contato direto com versos de origens milenares e que se mantém ao longo do tempo, apesar de todas as intempéries sistemáticas. Não queríamos “criar” novos poetas, como pode ter deixado parecer para um dos alunos, mas tentamos desenvolver a criatividade dos alunos enquanto eles produziam seus próprios cordéis como um exercício de leitura. Não deu certo. Nenhum aluno conseguiu escrever nada nessa tarde. Não tenho certeza se continuaremos insistindo em exercício de produção de textos, sacrificante para todos os nossos pupilos.

Para incentivar a leitura dos folhetos, nós pedimos para que cada aluno lesse uma estrofe de cada cordel que tivesse em mão. Com muita dificuldade e em tom de brincadeira, os alunos leram gaguejando os versos do cordelista Bob Motta, cujo título é “Poeta Matuto com Nome de Americano”. Logo depois da leitura, pedimos para que os alunos lembrassem nomes de amigos que têm origens americanas (ou inglesas). Não demorou muito para identificarem nomes como “Wellington”, “Michael”, “Willian”, “George”, entre outros.

Para que os alunos percebessem a fonética nas palavras “matutas” contidas nos versos de cordel de Bob Motta, chamamos atenção para a maneira de escrever o poema de formar “errada”, observando a oralidade interiorana, como se o poeta falasse a língua do sertanejo. Enquanto os alunos distinguiam os sons das rimas, se familiarizavam com a escrita da Língua Portuguesa e aprendiam sobre os costumes das famílias natalenses em colocar nomes estrangeiros nas crianças por influência da Segunda Guerra Mundial.

Vejamos alguns versos do “Poeta matuto cum nome de americano”, de Bob Motta:

(...)

O meu nome era prá sê,
Mané, Ontôin ô Pêdíin.
Luiz, Tumé, Possidônio,
Damião, Juca ô Zézíin.
Zuza, Vavá, Arcelino,
Apolonho, Tributino,
ô intonce, Francisquíin.

Mais, porém, o qui acuntece,
é qui in Natá, minha mãe terra,
nascí in quarenta e oito,
dispôi da sigunda guerra.
Meu pai me levô daqui,
p'ro sertão do carirí,
p'ruis forró de pé de serra.

Natá, na sigunda guerra,
foi importante na históra.
Mode incruzá o Atrântico,
ficava na trajetóra.
E Parnamirim, bacana,
era a Base Americana,
o Trampolim da Vitóra.

(...)

A aula seguia seu curso normal, atraindo a total atenção daqueles adolescentes espantados por aprender que a vizinha cidade de Parnamirim foi sede de uma base aérea americana durante a Segunda Guerra, quando um dos alunos lembrou que já se avizinhara o horário do intervalo. Como quem toca num gomo de açúcar cheio de formigas, os alunos se dispersaram do assunto rapidamente, como se a porção de conhecimento daquela tarde fosse suficiente para preencher a cota cultural de cada um. Uma façanha nunca antes alcançada: conseguimos manter as atenções dos alunos voltadas para a Literatura de Cordel por volta de 15 ou 20 minutos ininterruptos.

Para alguns alunos, aquele som de ambulância desesperada anuncia o horário da patuscada vespertina, um instante para que eles possam se confraternizar enquanto saboreiam o prato do dia. Naquele final de tarde, as crianças se comportavam de maneira diferente. Rapidamente, todos se perfilaram no grande salão de recreação, sob o olhar severo de Dona Graça, para cantar o Hino Nacional. Alguns deles pareciam verdadeiros soldados saudando a Pátria, tal era o fervor com que cantavam. Outros, por não conhecerem a letra, somente balbuciavam algumas palavras. Foi possível perceber que a maioria dos alunos mais velhos ficou de boca fechada, sem nem mesmo cantarolar o poema escrito por Francisco Manuel da Silva.

Desço as escadas pensando naquele momento de civilidade juvenil brasileira, onde o respeito aos Símbolos Nacionais são absorvidos e respeitados dentro de uma lição de cidadania às crianças carentes através de um programa de assistência governamental com fins político-eleitoreiros. Tenho a impressão que se a Literatura de Cordel, ou outro tipo de texto, fosse massificado nas salas de aula o resultado seria mais satisfatório e lembro das palas do professor Paulo Freire, quando fazia observações com seus alunos: “Os ‘textos’, as ‘palavras’, as ‘letras’ daquele contexto em cuja percepção experimentava e, quando mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ia aprendendo no seu trato com eles, na sua relação com seus irmãos mais velhos e com seus pais”.

Linda Demais


Antoniel Campos
(Natal RN)

um beijo na tua boca.
gosto de álcool e de perfume
trazido do pescoço aos lábios.
pausa para te olhar nos olhos.
beijar teus olhos.
colher teu rosto entre as mãos
e perto da tua boca te jurar
qualquer coisa tipo assim: linda demais.
deixar que me lambas,
levantar meu queixo,
teus peitos nos meus pêlos,
dedos cravados no cós da tua calça da gang
ou sei lá que raio de jeans.
um vem cá meio desnecessário
posto que mais perto impossível.

um beijo na tua boca
e de novo a jura tola: linda demais.

Agenda Cultural

Semana da Música
A Semana da Música da UFRN continua hoje com uma apresentação do coral Madrigal e da Orquestra da 18ªSemana da Música que será regida pelo viollocelista Antônio Del Claro. A apresentação será às 20h, no auditório da Escola de Música da UFRN.
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Nos passos da Edtam
A Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão apresenta hoje (às 19h), amanhã (às 15h e às 19h) e domingo (às 15h e às 19h) o espetáculo de final de ano "O corsário", no Teatro Alberto Maranhão.
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Encontro de escritores
Continua hoje a programação do Encontro Natalense de Escritores, promovido no Largo da Rua Chile. O primeiro debate começa às 16h, com Antônio Mariano, Marize Castro, Carmem Vasconcelos e Cristina Tinoco que irão discutir Qual é o texto novo? Existe? Às 17h30, o tema A importância das Academias de Letras na Vida Literária será debatido por Murilo Melo Filho, Arnaldo Niskier e Evanildo Bechara. Zuenir Ventura e Villas-Bôas Corrêa debaterão, às 19h, Jornalismo Político e seu Parentesco com a Literatura. Às 20h30 ocorre o último debate do dia, Poesia e Música, com Antônio Cícero e Nelson Motta. Encerrando a noite um show com Ná Ozzeti e André Mehmari.
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Intervenção na Casa
Um grande intervenção cênica ocorrerá no Café com Q da Casa da Ribeira, a partir das 22h de hoje. O Desapego contará com a presença da Casa dos Criadores e da cantora Simona Talma. O objetivo é reunir a moda às artes plásticas e à música. O couvert é R$ 7. Informações: 3211-4553.
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Aniversário do Museu
Hoje é o último dia das comemorações dos 46 anos do Museu Câmara Cascudo. Hoje, às 9h, a obra de Maria Iêda de Medeiros, conhecida como a canguleira Dona Dadi será discutida. Em seguida, às 10h, haverá o lançamento de seu livro Flor de Mucambo. O artesão Etewaldo Santiago será tema da última tarde do evento com a apresentação de sua obra e lançamento de catálogo. O evento será encerrado às 17h, com apresentação do Coralvox da AFURN.
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Festival de gastronomia
Termina amanhã o Pratodomundo - III Festival Gastronômico do Beco da Lama e Adjacências. Os bares e restaurante do local serão abertos às 10h, cada um com o seu prato concorrente. As apresentação musicais começam às 14h com DJ Macaco, Romildo Soares e os Grogs, no palco armado na Rua Cel Cascudo entre as Ruas Dr. José Ivo (Beco da Lama) e Vigário Bartolomeu. Haverá haverá a entrega da premiação aos vencedores do Protodomundo 2006 e os presentes ainda terão acesso a artes plásticas, artesanato, brechó, livros e poesia.
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Dia vegetariano
A ong Baobá promove amanhã um Almoço vegetariano, para lembra o Dia Mundial sem Carne. O evento é gratuito e ocorrerá na Rua João Pessoa - Cidade Alta - Centro, a partir das 11h. A distribuição de alimentos será gratuita.
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Concerto estudantil
Unir música e fantasia é a proposta do evento que irá unir 80 crianças do Complexo Educacional Contemporâneo, com idade entre seis e oito anos, em um concerto hoje, às 17h, no shopping Midway Mall.
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Cineclube
O Beijo da Mulher Aranha, do diretor Hector Babenco, será o filme que será exibido pelo Cineclube Natal, em parceria com a Livraria Bortolai, apresenta amanhã, dentro do projeto Cinema e Literatura. A programação começa às 18h, no auditório da própria livraria, na Avenida Afonso Pena, 805, Tirol. Ao término da sessão haverá debate com a platéia. O acesso é gratuito.
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Cinema e psicanálise
Hoje, às 20h, na Casa da Ribeira haverá mais uma sessão de Cinema e Psicanálise. O filme a ser exibido é Simplesmente Amor, do diretor e roteirista Richard Curtis. Ingressos: R$ 10 (inteira). Informações: 3211-7710.TeatroTeatro estudantilO Grupo de Teatro do CEI apresenta hoje, no auditório da Unidade I - conjunto Mirassol, a peça Mundo Invisível, às 19h. A direção é do professor Jonas Sales e o elenco é constituído por 12 alunos, que além de participarem como atores também colaboraram para a concepção do texto da peça.
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Palco giratório
A última etapa do projeto Palco Giratório, do SESC RN, será este mês, em Natal, com o espetáculo mineiro “Olympia‘‘ e a Oficina de Treinamento para Atores, ambos com entrada gratuita. A peça será encenada no próximo dia 30, no Teatro de Cultura Popular, e os ingressos já podem ser retirados no SESC Restaurante (Avenida Rio Branco, Centro). Nesta mesma unidade, também podem ser feitas as inscrições para o oficina, exclusiva para atores e estudantes de teatro que ocorrerá nos hoje e amanhã. As aulas serão ministradas pelo diretor Marcelo Bones. Os dois eventos serão realizados com o Grupo Teatro Andante, de Minas Gerais.
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Teatro na Casa
A peça "O amor de Madalena", da Cia. Urbana de Teatro, continua em cartaz até 17 de dezembro, na Casa da Ribeira, e é apresentada todos os sábados (às 21h) e domingos (às 20h). Ingressos: R$ 5 (preço único). Informações: 3211-7710.
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Literatura, Teatro e educação
A professora Sônia Othon, do Departamento de Artes da UFRN, lança hoje o livro "Vida teatral e educativa da cidade dos Reis Magos - Natal, 1727 a 1913" (Editora Universitária). O evento será às 19h, no Centro de Convivência Djalma Marinho, localizado no Campus Universitário, durante o encerramento da exposição das obras do artista plástico potiguar Dorian Gray.

23 de novembro de 2006

Festa Literária na Ribeira

Por Rafael Duarte

O conto olhou para a crônica e garantiu que a poesia iria aparecer para o primeiro encontro. À mesa, com as terceiras intenções de sempre, o romance guardava lugar ao lado de quem sentasse à cabeceira. Na hora marcada, o barulho tomou conta da sala. Era de fato a poesia, disfarçada de letra de música e acompanhada dos velhos amigos de boêmia, que convocava a todos para três dias de farra literária.
A pedida durante os próximos três dias, quando uma legião de escritores nacionais e locais baixa no largo da rua Chile, Ribeira, para o 1o Encontro Natalense de Escritores (ENE), é discutir a produção literária do país. Uma reunião sem preconceito de gênero, onde a ficção e o realismo, a pobreza e a riqueza das letras de hoje estarão no divã.
A escalação de autores está confirmada com Zuenir Ventura, Rui Castro, Villas Boas-Corrêa, Antônio Cícero, Nelson Motta, Ignácio Loyola Brandão, Heloísa Seixas, Affonso Romano de Sant’Anna, Jorge Mautner, Capinan, Arnaldo Nisker, além da nova safra da literatura nacional e potiguar representada por Antônio Prata, André Laurentino, Marcelino Freire, Pablo Capistrano e a turma dos Jovens Escribas formada por Carlos Fialho, Patrício Júnior e Thiago de Góes.
São mais de 40 convidados. Ao todo, 12 debates e lançamentos de livros, além dos shows de Paulinho da Viola, André Mehmari e Ná Ozetti, e Roberta Sá estão confirmados na programação do encontro. O espaço coberto comporta 850 pessoas. A entrada para todas as palestras e shows é gratuita, mas o público deve retirar as senhas antecipadamente nas bilheterias. O acesso ao local deverá ser feito pela avenida Duque de Caxias e rua Silva Jardim.
A estrutura do evento será instalada sob uma grande tenda branca. Na parte interna, o espaço será dividido entre o palco para os debates e shows, sala vip, camarim, 700 cadeiras, um pequeno Bistrot do restaurante Calígula, a Cooperativa da UFRN e o Sebo Vermelho - únicas livrarias convidadas para vender livros durante os três dias de encontro.
Hoje, a partir das 16h, o público vai ouvir o que os convidados tem a dizer sobre “Jovens Escribas - uma nova literatura”, “Novas narrativas - do Blog ao livro”, “Redefinindo o Centro e a Periferia” e “Ficção e não-ficção”. Fechando o primeiro dia, a fineza do samba de Paulinho da Viola.
O historiador Luís da Câmara Cascudo é o homenageado da primeira edição da festa. No próximo sábado, Humberto Hermenegildo, Marcos Moraes, Emerson TIN e Constância Lima Duarte vão debater a “Escritura Epistolar de Câmara Cascudo”.
Embora os especialistas tenham formação acadêmica, o presidente da Fundação Capitania das Artes, Dácio Galvão, acredita que será um debate instigante. “A margem da produção está vindo da universidade, mas a obra literária de cada um transcende essa questão. Tenho certeza que não vai ser uma discussão chata porque o encontro não vai ter os teóricos da matéria, embora de certa forma isso seja importante”, disse.
Galvão afirma que o ENE chega para se associar a dois outros eventos ligados à área: Feira de sebos e a Bienal. “Esse encontro veio ocupar um espaço do debate estritamente literário mesmo, se associa à feira de sebos, que trabalha com a disseminação de livros, e a Bienal, que é mais um evento de livreiros, o que não é demérito algum. Mas no ENE, o debate e as vozes dos escritores terão predominância total e absoluta”, analisa, admitindo que o encontro foi inspirado na festa literária internacional de Parati, no Rio de Janeiro. Ele não teme que a presença de nomes consagrados da imprensa e da literatura nacional transforme o encontro num desfile de famosos porque todos os convidados estão produzindo e lançando novos trabalhos. “De jeito nenhum. Entre o mito e a realidade, entre a obra e o autor, vai ficar meio indissociado. A primeira noite de debates, por exemplo, será encerrada com uma discussão entre Rui Castro e Heloísa Seixas sobre ficção e não-ficção. Isso está dentro do próprio processo criativo dele. Não tinha como isso não ocorrer, vai ser um belo encontro”, acredita.
Mercado literário
O encontro é de escritores, o debate é de idéias, mas tem novidade também no mercado literário. Pelo menos 12 publicações entre livros e revistas, com tiragem nacional e local, estarão à disposição do público.
Se o encontro fosse premiar a editora recordista de lançamentos, o editor Abimael Silva levaria o troféu para casa. Em cada dia, o dono do Sebo Vermelho espera lançar duas novidades da recém-criada coleção “Clássicos Potiguares”. E olha que o “recém” aqui não é modo de escrever, não! “Decidi criar essa coleção ontem. A idéia é reeditar os livros de grande relevância para o Rio Grande do Norte. Em 1908, o governador Alberto Maranhão, em parceria com Henrique Castriciano, fizeram uma lei obrigado o Estado a fazer esse trabalho, mas acabaram com isso. Amanhã (hoje) sai o ‘Natal de Ontem’, de Pedro Melo de Alcântara, que fala da cidade com apenas 20 mil habitantes, e ‘Garrafas de Areia do Tibau’, de Veríssimo de Melo. Na sexta vou com 'Lampião na fazenda Veneza' e 'Bilhetes de Lampião e respostas de Raul Fernandes', ambos de Raul Fernandes. E no sábado lanço 'Câmara Cascudo em Quadrinhos', do padre José Luiz da Silva, Alcides Sales e Anchieta Fernandes, e 'Vida Potiguar', de Policarpo Feitosa”.
Além dele, Roberto da Silva (“Consagração e Glória: Cartas a João Lyra Filho”), Napoleão de Paiva Souza (“Depois Comigo”), Jorge Mautner (“O filho do Holocausto”), Nelson Mota (“Ao som do mar e à luz do céu profundo”), Rui Castro e Heloísa Seixas (“Um filme é para sempre”).
Matéria publicada na Tribuna do Norte, em 23 de novembro de 2006.

22 de novembro de 2006

Quasímodo

Por Neide de Camargo Dorneles
Foto: divulgação
Tão triste me pareceu Xi Shun, o homem mais alto do mundo. Não uma tristeza assim dessas que vez ou outra todos somos acometidos por algum motivo. Uma tristeza maior, vinda do fundo da alma, que transparecia na sua expressão, nos seus movimentos lentos e estranhos de um quase gigante obrigado a viver em um mundo que não foi feito pra ele; que não se podia ver mas que se adivinhava nos seus olhos quase fechados de chinês e no seu sorriso que era um risco não muito elaborado na sua face enorme. Foi assim que o vi no programa do Jô, acompanhado de uma intérprete, também chinesa, que ao seu lado parecia quase uma miniatura de mulher. Não bastasse isso, havia ainda a barreira da linguagem, cujo esforço de tradução pela chinezinha parecia não conseguir sinônimos para os gracejos do entrevistador, que cá entre nós, dava a impressão de também não estar muito à vontade. E talvez porque eu estivesse muito comovida com a sina daquele homem, cujo desejo aos 55 anos - confessou durante a entrevista - é encontrar uma mulher para lhe fazer companhia (à sua altura, brincava um jornal de mau gosto), o espetáculo da sua exposição ao público me pareceu extremamente bizarro. Mostrava-se, no programa, as fotos onde acentuava-se a diferença entre Xi Shun e as pessoas “normais”. Não me sentia bem com o enfoque dado, senti pena daquele homem que dizia-se satisfeito com a fama, mas nada me comoveu mais e tanto do que vê-lo entoar uma cantiga que soou nos meus ouvidos como um estendido e triste lamento, traduzida pela intérprete como uma canção de amor, onde o cavalheiro diz estar pronto para receber a sua amada, ou algo assim. Ao vê-lo cantar aquela música naquela língua tão esquisita aos nossos ouvidos ocidentais, de uma maneira que me pareceu ainda mais triste, pensei no motivo da sua peregrinação pelo mundo todo, na razão que o fazia mover lentamente a cabeça, dirigindo o olhar para os lados e à sua frente: quem sabe um fio de esperança de encontrar o amor que não encontrou na sua pequena cidade na Mongólia Interior, nem no seu país, e que por isso ainda procura em todos os cantos por onde passa. Um homem solitário, aparentemente infeliz e assumidamente romântico, que acredita no amor. Chorei ao ouvi-lo cantar, enquanto em minha mente desfilavam outros personagens tão solitários, tão tristes e tão sofridos, talvez, como o próprio Xi Shun. Lembrei de Quasímodo, O Corcunda de Notre Dame, no romance medieval e uma das obras primas de Victor Hugo - o maior poeta romântico da França. Quasímodo e o seu amor impossível pela linda cigana Esmeralda, num clássico que atravessa séculos. Na tragédia francesa, o Corcunda que cuida de tocar os sinos da imensa catedral, filho de uma prostituta, está fadado à solidão de permanecer escondido na torre da igreja para não chocar as pessoas com a sua aparência monstruosa. A palavra quasímodo, que significa mal-acabado, resume o asco e o medo que causa a sua imagem que, no entanto, guarda no seu interior a mais doce e afetuosa e também carente das criaturas. Lindo, por dentro, Quasímodo. Triste quasímodo. Triste, também, não pode deixar de ser o príncipe enfeitiçado de A Bela e a Fera, do conto dos Irmãos Grimm, que vive enclausurado, escondido em seu próprio castelo e só tem o seu feitiço quebrado quando a filha do mercador passa a amá-lo por suas virtudes e não pela sua aparência. Era triste e solitário e causava nojo, medo e terror, também, o adorável Schrek – o ogro – antes de encontrar a sua Fiona, num conto de fadas moderno que conquistou o mundo todo.
Agora acompanho via internet a peregrinação de Xi Shun pelo mundo, o triste gigante da vida real, e torço, com todas as minhas forças, para que a sua vida se transforme num conto de fadas com final feliz. Que por uma obra divina ou do destino ou do acaso, ele encontre o seu amor, para que possa sentir-se menos inadequado, menos deslocado, menos estranho nesse mundo que fala em inclusão e promove espetáculos de exploração das diferenças.

21 de novembro de 2006

O Bobo da Corte

Foto: Antônio Manso
Eduardo Alexandre
(Natal RN)

Eu,
o Bobo da Corte
Menino vadio
Perambulador
Sorrio da vida
Me afogo na dor
Divirto a platéia
Zombo
do governador
Sou Rico
e sou pobre
Amado
Chutado
Amante
eu sou!

20 de novembro de 2006

Texto e foto: Plínio Sanderson

Alda, Pedro Pereira e Dunga, curtindo o Pratodomundo, no Beco da Lama

Ainda no desbunde dos Festivais de Arte do Forte, explorava os corredores da fortaleza em companhia do jornalista Moura Neto, quando esbarramos numa barraquinha do Atelier Central e lá estava aquele rapaz vendendo licores naturais e um inusitado retrato do poeta João da Rua - óleo de Alcides Sales. Ficamos pasmos, da rua ao cosmo, João nosso contemporâneo já virara estrela? Porém, o que nos chamou mais atenção foi o cara franzino que se dizia poeta. Trocamos rápidas figurinhas e para surpresa geral o bendito (e feito, pois já havia lançado um livro com o musicista errante Wlamir Cruz) poeta sobe ao palco e começa a recitar suas poesias com seu peculiar jeito interiorano e cognição incipiente. No entanto, havia ritmo, pureza, uma força de vontade excepcional; era uma preciosa pedra bruta e gutural, com um brilho intrínseco, carecendo o polimento do tempo e da verve. Assim, as Moiras do destino nos revelaram o Pedro Pereira, caba nó cego!

Encontramos-nos depois em vários locais, eventos, ele fazendo road e back vocal na banda Cabeças Errantes, e principalmente, nos chás da cinco no boteco "Verso & Prosa" do Dunga. Passei admirar o Peralta pela sua determinação e incessante alegria de viver. Na época, ganhava a vida como sargento de proletariado em uma empresa de construção civil. Mas, pulsava arte por todos os seus poros, como sina ou catarse.

Convidei-o para uma coadjuvância no 3º Festival de Poesia e Música da UFRN (86) e ele rufou os tambores na performance "Vis lumbrancias pó te guares", arrebatamos os prêmios de melhor poesia e melhor apresentação. Em 88, devolvo a gentileza, fazendo a claque na sua apresentação no Circo da Cultura durante o concurso de poesia da Candelária, quanto também se sagrou campeão com "Pós-Lennon" - dois laureados pimentas do planeta.

Inauguramos uma parceria que marcaria espetaculosamente os happenings/performances posteriores na capital do futuro. Foram inúmeras participações nas comemorações do Dia da Poesia, sempre um Dom Quixote e/ou Sacho Pança do outro. Nossas vidas se fundiram ao ponto de marcar a arte na terra de Poti com teimosia, criação e práxis. Via de regra, gastando romanticamente os últimos trocados que nos arranhavam os bolsos, pegando no pesado para viabilizar a celebração da musa dadivosa. Quando não realizavá-mos nada e o branco do papel suplantava o santofício, a maledicência nos imputava na fogueira das veleidades, ossofícios.

Predestinado, Pedro, corajosamente foi além. Deixou sua função na construção civil, dedicou-se de alma, troncos e membros à labuta artística. Derrubando a idéia do "dom", provou que na arte o determinante é o movimento corpo/mente. Lembro quando morando na vila de Ponta Negra, lançou-se sem volta nos percalços da plástica. Exercitando, imolação, penitência até desabrochar na primavera de 90 em um estilo próprio e instigante - conceituei de florense. O Artista Pedro, eclodia oriundo das próprias entranhas, sempre rebuscando novas linguagens, suportes (arte camiseta), novas formas de expressão. Reconhecido, ganhou vários prêmios, tornando-se persona obrigatória em exposições e vernissagens. Heroicamente, sobrevivendo de Arte (e pela Arte) nessa cidade tão ríspida e desmemoriada com seu patrimônio cultural e humano. In memorian, o desabafo do Rei-Vassalo prof. Melquíades: quem quiser me prestar uma homenagem que seja em vida. Deixarei escrito e registrado em testamento e cartório que não poderão usar meu nome para grupo escolar, de logradouro ou rua, ficando proibido a minha alma baixar em centro espírita e/ou terreiro de umbanda!

Não, essa não é uma homenagem moribunda! É um suspiro, um lampejo de vida. Lutando o bom combate, guerreiro aguerrido, Pedro vai contradizer a filosofia fatídica de Augusto de Campos: "Arte longa vida breve". "Tu es petrus et super hamc petram aeclesiam meam aedificabo". Pedros Est, ele está no meio de nós. E, testemunhará com arte os muitos caminhos que ainda iremos trilhar, todos juntos, numa pessoa só. Pedro Pereira, poeta peripatético, plástico pintor, peralta prático, pajé pai-d’égua, perito praxista, professor performático, Passa e Fica.

19 de novembro de 2006

Escolhas, escolhos.

Por Lívio Oliveira

A vida, de fato, condiciona-se por nossas escolhas. Isso parece o óbvio. Seria, se não fosse a realidade e os enganos que ela nos impõe. De escolhas, algumas decisões se transformam em escolhos, obstáculos, estorvos perigosos. Muitas vezes miramos num alvo ilusório, acreditando que ali está a saída, a solução, a salvação mesma. Só depois, com o desastre iminente, ou já consumado, é que percebemos o quanto fomos e somos equivocados. E o pior: não dá mais para voltar atrás. O que fazer?
Não se preocupe, leitor, pois não está aqui mais um autor de “obras” de auto-ajuda. No máximo, um neo-existencialista, com a cara quebrada diversas vezes. Portanto, não darei conselhos, não darei nada. Apenas, faço uma constatação, d’après Guimarães Rosa: “viver é muito perigoso”.
E, mesmo sendo tais os perigos, tantos, que muitas vezes se nos depara o abismo, insistimos em viver. O que diabos é isso, afinal? Viver? Somente o contrário de morrer? Não acredito. Alguém disse uma vez que preferia morrer tragicamente a viver de tal forma. Parece-me acertada a máxima. Mas, obviamente, é preferível viver sem tragédias. Ou, pelo menos, sem a tragédia total. Ou uma pitada do trágico sobre o cômico, como numa mistura agridoce.
Tocar a vida é uma expressão que me intriga. Tocar. Tocar para a frente. Empurrar, forçar para adiante. Tocar na vida seria uma experiência mais interessante, pois seria, talvez, apalpar aquilo que alguns chamam de felicidade. Puxa! Já são devaneios demais!
O fato é que um amigo de um amigo meu decidiu, dia desses, procurando tocar a – ou na – vida tomar uma decisão radical. Uma escolha verdadeiramente revolucionária: separou-se, largou mulher, filhos e coisa-e-tal (como diria Chico) e, urbano que nem ele, mudou-se para o sertão mais brabo do Ceará. Levou, numa pequena mala, roupas (principalmente as cuecas samba-canção), alguns livros, e, principalmente, cotonetes e pomada de cânfora e menta para sua rinite.
Conseguiu comprar uma fazendinha velha, mas simpática, com a casa principal e uma para o casal de moradores, velhinhos, velhinhos, que ali já estavam havia mais de trinta anos, sem nunca terem feito filhos.
O meu conhecido, então, desembestou-se numa alegria só na vida. Num curral pequeno, duas vaquinhas magras o abasteciam diariamente de leite. Havia, com a pouca água, quase nada de área verde, mas isso não desanimava o novo sertanejo. O caminhão-pipa passaria logo. Enquanto isso, filosofar, pitar um cachimbo rústico (sua nova aquisição) e se banhar no resto que havia do açude. Isso sim, era a realização completa e mais perfeitamente acabada!
Num desses banhos de açude foi que conheceu Madalena. Morena forte, batata grossa, peitos pequenos e duros. A moça tinha ido lavar, incauta, sua roupa branca, logo no açude do felizardo novato da ruralidade.
Parecia uma daquelas cenas dos filmes de Tarzan (de preferência, naquelas cenas em preto-e-branco com o grande John Weissmuler), em que o jacaré vai se aproximando de sua presa. Foi assim que o branquelo, seco de tudo, tantos dias de contenção, conquistou e se apossou de Madalena. Quase na marra! Só não o foi porque Madalena gostou. E como gostou!
Acontece que todo o planejamento para os dias restantes da existência do tresloucado aventureiro foi por açude abaixo, a partir daquele dia. Isso porque, pouco tempo depois do ocorrido, numa nova visita “anfíbia”, Madalena revelou ao homem de destinos loucos e instintos precipitados:
- Cumpade, meu marido num gosto nadinha di sabê du acontecidu, não! Mió a gente criá o nosso mininu na cidade grande!

18 de novembro de 2006

O custo da saudade

Gilmar Leite
(Natal RN)

A distancia machuca os corações
Faz as almas viverem da lembrança
Onde a luz refulgente da esperança
É a aurora nos campos das paixões.
A saudade vomita os mil vulcões
Do desejo que estar sempre ardente
Onde a lava da angústia em corrente
Queima as almas que estão na ansiedade
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

Quer saber o valor de um carinho?!
Ou um beijo que é dado de surpresa?!
Se afaste do amor, que com certeza,
Vai sentir a distancia como espinho.
O amor quando está longe do ninho
É um pássaro que tem a asa doente,
Que distante do ninho canta dolente,
Derramando o seu pranto de verdade,
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

As palavras, os beijos, e o abraço;
O olhar, os carinhos, o sorriso,
São as flores mostrando o paraíso,
Que a lembrança demonstra sem embaço.
A distancia aparece e joga o laço
Pra prender o amor numa corrente.
É um monstro voraz, que ferozmente,
Faz a vida sofrer com intensidade,
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

Se alguém quer saber como é ruim
Ter amor que reside em outro canto,
Vai saber como é triste a dor do pranto
Que corrói, parecendo não ter fim.
É preciso ser forte, ser enfim
O jasmim do amor sempre crescente;
Pra no peito vingar eternamente
Os momentos sutis da intimidade,
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

16 de novembro de 2006

Missa do Galo


Por Alexandro Gurgel

“Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta”. (Machado de Assis)

O conto de Machado de Assis, “Missa do Galo”, mostra o encontro e o tímido diálogo entre um jovem e uma senhora casada numa noite de Natal. Praticamente nada acontece objetivamente entre os dois. Mas Machado de Assis parece querer dizer que, onde nada acontece, tudo pode estar acontecendo subjetivamente e, para que o percebamos, é preciso apurar os ouvidos e ler nas entrelinhas as marcas do desejo não explícito.

Além do jovem Nogueira e Dona Conceição, outras personagens são citadas sucintamente durante a narrativa; Dona Inácia, mãe de Conceição e duas escravas. Há ainda um vizinho, o qual era esperado pelo narrador, para juntos, irem à Missa do Galo.

A compilação do conto começa quando Conceição entra na sala onde Nogueira estava lendo um romance, Os Três Mosqueteiros, fazendo hora e esperando pela meia-noite. O enredo segue descrevendo o inusitado encontro, numa noite de natal, entre um rapaz com dezesseis anos e uma mulher de trinta, que se mostrava amistosa e compreensiva, especialmente naquela noite.

O clímax da narrativa ocorre quando Conceição fica inquieta, andando de um lado para o outro e, quando se senta, cruza as pernas de uma maneira sensual, despertando toda a libido de Nogueira, que via em Conceição uma mulher “linda, lindíssima (...)”.

O narrador não descreve as feições de Conceição, mas deixa pistas para que o leitor observe seus movimentos sutis, como descreve em certos trechos: “De vez em quanto passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos”. Em outra cena, a sensualidade de Conceição é latente quando o narrador observa que as mangas do roupão branco, que Conceição usava, não estavam abotoados e deixava metade dos braços aos olhos de Nogueira.

Toda a trama acontece na sala da frente, de uma casa mal assombrada, localizada na Rua do Senado, Rio de Janeiro. Havia uma mesa no centro da sala, algumas cadeiras, cortina na janela, um canapé e um espelho. Nas paredes, dois quadros completavam aquela atmosfera de cumplicidade entre Conceição e Nogueira.

O encanto daquele momento termina quando o vizinho bate na janela, chamando Nogueira à Missa do Galo. Daquele dia em diante, nunca mais Nogueira conversou ou escreveu para Conceição. Restou-lhe somente a imagem do balanço do corpo de Conceição, enfiando-se pelo corredor, pisando mansinho, e sumindo de sua vida, deixando na lembrança de Nogueira, a incompreensão daquela “conversação” que teve com uma senhora, há muitos anos atrás.

Em uma época de teorias cientificas e sociais que pretendem dar conta do real – como é o momento do Realismo na literatura ocidental – a voz do genial Machado de Assis ousa abdicar das certezas e afirmar o universo do desconhecido que persiste na alma humana.
SERVIÇO
Missa do Galo e outros contos
Machado de Assis
Editora: LANDY EDITORA
Número de páginas: 117
Encadernação: Brochura
Edição: 2006

15 de novembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte VI

Professores empregam apoio moral para o habitual discurso de Dona Graça, antes da merenda vespertina. Concita (de blusa amarela) ao lado do professor Ary (camisa azul).

Natal, 02 de outubro de 2006.

Cante lá que eu canto cá
Patativa do Assaré

Pra gente aqui sê poeta,
E fazê rima compreta,
Não precisa professô.
Basta vê, no mês de maio,
Um poema em cada gaio,
E um verso em cada fulô.


Começamos a semana com assuntos voltados ao “mês da criança” e o tema do dia foi referente ao “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA). O professor Ary começou a aula falando sobre a importância do conhecimento das “Leis e Deveres” contidos no ECA, como conscientização da cidadania de cada pessoa. O professor titular escreveu no quadro negro alguns parágrafos dos artigos contidos no ECA para os alunos copiarem em seus cadernos de anotação. Enquanto os alunos copiavam lentamente, o professor discutia os objetivos do tema central que seria abordado durante o mês.

Uma hora mais tarde, após as explicações do professor titular acerca do tema do mês, Concita e eu retomamos nossa aula, usando a Literatura de Cordel como base do nosso estágio com os alunos do “Tributo à Criança”. Distribuímos os folhetos e esperamos um tempo (cinco minutos) para que cada um fizesse uma leitura silenciosa dos poemas. Para facilitar o entendimento dos versos, nós (professor Ary, Concita e eu) fizemos uma leitura em voz alta dos folhetos para a classe. Nesse momento, conseguimos um grau de atenção nunca obtido durante minhas observações na escola. Por alguns mágicos instantes, a turma estava inebriada sobre efeito da Literatura de Cordel.

Logo após a leitura dos cordéis, pedimos para que os alunos falassem sobre o que foi abordado. Com muita dificuldade, dois alunos ainda se dispuseram a falar, mas sempre atrapalhados pelas chacotas dos colegas de turma. Tentamos fazer por onde eles lessem em voz alta, estimulando a prática de leitura, mas a dificuldade em ler e a falta de concentração foram razões que impediram os alunos de ler uma única página.

Nesse ponto do estágio, eu posso confessar: nossas intenções de fazer com que esses alunos produzam seus próprios versos estão cada vez mais distantes porque notamos a total falta de interesse que eles têm em querer aprender alguma coisa. É forte a impressão que os alunos só participam das aulas pelo estímulo financeiro que seus pais recebem ao final de cada mês, como se o “Tributo à Criança” fosse uma “creche” infanto-juvenil para guardar, por um período, aqueles jovens carentes.

Mesmo numa situação adversa, onde a falta de estímulo é visível, acreditamos que é viável trabalhar a Literatura de Cordel na sala de aula. É uma excelente forma de levar a poesia para o conhecimento dos alunos. O Cordel universaliza as informações, pois trabalha com temas diversificados e temas transversais. Desde Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima e Paulo Freire, algumas experiências foram realizadas com sucesso em quase todo o Brasil.

Alguns minutos antes do encerramento da nossa aula, os alunos já estavam dispersos da leitura dos cordéis, conversando entre si e esperando o toque da sirene, como se aquele som fosse libertá-los de uma situação incomoda e desinteressante. O corredor já estava empilhado de alunos das outras salas. As professoras tentavam organizar uma fila indiana para manter a disciplina, mas a algazarra das crianças contribuiu para aumentar o “stress” daquelas educadoras sem paciência, por vezes utilizando a rigidez das palavras para acalmar os ânimos infantis.

Na grande sala de recreação, alunos perfilados ouviam atentamente a peça oratória do dia, proferida com ênfase por Dona Graça. Professores, pessoal de apoio e alunos esperavam ansiosamente àquela hora mágica da ceia vespertina, onde um cuscuz com leite foi servido aos convidados habituais. Antes de me despedir do pessoal, ainda ouvi dona Graça reclamando porque a Cosern havia cortado o fornecimento de energia elétrica do prédio por falta de pagamento.
Não esperei para maiores detalhes, mas aumenta a impressão de que aquele prédio onde funcionava uma loja de gás veicular não está devidamente adaptado para servir como uma instituição educacional. A falta de atenção com a educação é mais uma vez observada pela despreocupação em pagar uma conta de energia, fator básico para o funcionamento do local.

9 de novembro de 2006

Auto de São Francisco: o teatro encantado no berço das Lajes Pintadas

Texto e fotos: Alexandro Gurgel

O Auto de São Francisco foi encenado no adro da Capela de São Francisco, em Lajes Pintadas.

Além das festividades religiosas e profanas, uma outra atração para quem participou da festa de São Francisco, em Lajes Pintadas, foi o espetáculo “Auto de São Francisco”, retratando a história do Santo que teve a missão divina de pacificar os povos. Considerado a maior representação teatral a céu aberto da região do Trairí, a peça aconteceu nos dias 4 e 5 de outubro, no adro da Capelinha de São Francisco.
Ao longo do tempo, a vida de São Francisco de Assis já foi contada das mais variadas maneiras por cineastas como Roberto Rosselini, que fez dele um mártir, e Franco Zeffirelli, que o transformou num hippie. Entre o realismo do primeiro e a fantasia do segundo existe um abismo que só a literatura foi capaz de transpor.
Para apresentar o Auto de São Francisco de Lajes Pintadas, o diretor teatral, Cláudio Cavalcante, utilizou elementos cênicos singelos, como deve ser a vida do santo. A ótima interpretação dos atores, aliada a uma coreografia bem elaborada deram ritmo ao espetáculo, prendendo a atenção de um grande público. “Procurei utilizar o próprio Auto de São Francisco para contar a história do Santo, adicionando uma composição mais sertaneja ao espetáculo”, ressaltou o diretor.
Parte da história se passa no interior do Rio Grande do Norte, quando o menino Francisco vem reencontrar seus familiares em Lajes Pintadas, um elo perdido quando sua mãe saiu da cidade grávida para ter a criança em São Miguel do Arcanjo, na Tromba do Elefante. Os fatos são narrados por três ciganas que o menino vestido com roupas franciscanas encontra no caminho. Uma cigana vinda do oriente, outra de Caicó e uma outra do “meio do mundo”, conduzem a trama numa alusão aos Três Reis Magos.
O texto de adaptação para o Auto de São Francisco de Lajes Pintadas foi escrito por Geruza Câmara, que também coordenou o espetáculo, e pelo diretor Cláudio Cavalcante. Conforme o diretor da peça, o Auto de São Francisco lajespintadense foi elaborado para contar a história do Homem-Santo que pregou a paz, a humildade, o trabalho pela pobreza e a preservação da natureza. “Fazemos um recorte do presépio vivo franciscano e também da passagem dos cangaceiros pelo sertão”, disse Cláudio Cavalcante.
Todo o talento dos jovens atores lajespintadenses foi mostrado durante a encenação da peça.
De acordo com Geruza Câmara, o trabalho com o Auto de São Francisco não é limitado às duas noites de espetáculo. Envolve um processo de dois meses e meio de atividades voltadas para as artes cênicas, dança, música, confecção de figurinos, adereços, cenários e produção de texto. “O prefeito Fábio Henrique é consciente da importância da prática pedagógica voltada para a arte e a cultura. Assim, refletimos sobre a religiosidade e a preservação da nossa tradição, embalados nas cores, ritmos e formas do nosso folclore”, frisou Geruza Câmara.
Segundo Fábio Henrique, prefeito de Lajes Pintadas, a importância do Auto de São Francisco é resgatar a cultura popular no município, enquanto cultiva a tradição religiosa em homenagem ao padroeiro. “Flávio Lopes, como um bom mossoroense, idealizou um Auto de São Francisco no ano passado e deu certo. Esse ano, nós ampliamos muito mais o espetáculo com 80% dos custos bancados pela prefeitura”, afirmou o edil. O espetáculo também tem o apoio do Governo do Estado, através da Fundação José Augusto.
A peça, de uma hora e meia de duração, foi apresentada pela segunda vez e conta com a participação de mais de 120 pessoas do próprio município, entre atores, figurantes, bailarinos, coreógrafos e apoiadores técnicos. Com todo o suporte da Prefeitura de Lajes Pintadas, as pessoas envolvidas no Auto de São Francisco também confeccionaram peças de figurino, adereços e cenários. A iluminação e efeitos especiais, elementos importantes na encenação foram comandados por Castelo Casado em perfeita harmonia com a coreografia teatral.
Apesar das mutilações históricas, o diretor Cláudio Cavalcante, em parte justamente por causa delas, conseguiu no final obter um efeito de conjunto de modo a fazer com que o expectador percebesse mais vivamente alguma coisa do que foi o espírito franciscano. A acomodação da vida de São Francisco de Assis para a realidade do sertão potiguar foi o grande desafio da produção do espetáculo, que não precisou criar um estereotipo capucho de mártir ou hippie para emocionar a audiência.

A lenda das Lajes Pintadas e do riacho dos desenhos rupestres

Texto e fotos: Alexandro Gurgel
Vista panorâmica da cidade de Lajes Pintadas.

Localizado na Região do Traíri, o município de Lajes Pintadas está a 135 quilômetros de distância de Natal, onde uma população urbana e rural abriga, aproximadamente, 5.300 pessoas habitando numa área serrana de clima agradável. Desmembrada do município de Santa Cruz, a cidade de Lajes Pintadas foi criada em 31 de dezembro de 1958.
De acordo com Câmara Cascudo, no livro “Nomes da Terra”, 2ª edição, Sebo Vermelho Editora, o riacho das Lajes Pintadas, afluente dos Rios Inharé e Traíri, tem esse nome por suas águas banharem algumas pedras com escrituras rupestres na localidade, desenhos deixados por antigos moradores daquelas serras. Mas, conforme a historiografia local, as lajes foram explodidas pelos proprietários da terra para abrir estradas. Os pedaços de rocha foram usados como paralelepípedos. Uma perda cultural e histórica imensurável, sentida por todos os moradores e estudiosos.
No seu livro, o Mestre Cascudo diz que o antigo proprietário das Lajes Pintadas, João Francisco Borges, reunia os moradores rurais para promover cultos religiosos a São Francisco de Assis, em torno do quadro do santo que trouxera do sertão do Canindé, no Ceará. A Capela de São Francisco foi construída em 1935, pelos irmãos Eduardo e Elias Borges. “O quadrinho com o primitivo São Francisco, trazido do Canindé, ainda existe na Igreja São Francisco”, revela Cascudo.
A religiosidade sempre foi uma constante em Lajes Pintadas, fazendo com que o Padre Benjamim Sampaio, na época vigário de Santa Cruz, agraciasse a comunidade com uma imagem de São Francisco vinda do Orago, no Rio de Janeiro. Durante a procissão de São Francisco, sempre realizada no dia 4 de outubro, é comum ver adultos, jovens e crianças vestidas de marrom, com os pés descalços como franciscanos, pagando promessas por graças alcançadas. Casamentos, batizados e crismas também são realizados durante as festividades em homenagem ao Santo.
Rio das Lajes Pintadas, local onde havia as pedras com desenhos rupestres.

Lajes Pintadas tem sua atividade econômica voltada para a agricultura familiar, a pecuária e o serviço público. O artesanato lasjespintadense tem como base o sisal para confecção de tapetes e ornamentos domésticos e a pedra sabão, usada para esculturas e peças de acabamento na construção civil. Os artesões locais, através da Associação dos Artesões de Lajes Pintadas, têm suas obras vendidas para a capital do Estado e alguns países da Europa, como Itália, Espanha e Portugal.
A cidade ainda possui um grande potencial em mineração, uma reserva econômica que já está sendo explorada. A região de serras é rica em minérios como água marinha, feldspato, quartzo rosa, berilo, tantalita, mica, entre outras pedras. “Hoje, com o incentivo da prefeitura municipal na mineração, empregamos mais de 60 pais de família”, frisou o prefeito Fábio Henrique.
Resgatando a cultura popular e mantendo a tradição religiosa, a atual administração municipal incentivou a criação do “Auto de São Francisco”, um espetáculo teatral ao ar livre, envolvendo somente moradores do município na produção e na dramaturgia. Na sua 2ª versão, o Auto de São Francisco foi apresentado nos dias 4 e 5 de outubro, durante as comemorações da festa do padroeiro, atraindo um grande público.
De acordo com o prefeito Fábio Henrique, a sua administração conseguiu viabilizar a reforma de todas as escolas municipais, mantendo os alunos com fardamento e material escolar completo, além da merenda diária. O prefeito fala com orgulho sobre a implantação do projeto de Inclusão Digital para os jovens, criando novas perspectivas de trabalho na cidade.
Aliando as tradições religiosas, um povo acolhedor e a boa vontade do executivo municipal, Lajes Pintadas vem se despontando como uma cidade que se desenvolve rápido, criando melhores oportunidades de vida para esse povo sertanejo. O espetáculo teatral Auto de São Francisco é um exemplo vivo, uma das formas que os lajespintadenses têm para conquistar sua própria identidade cultural, contando a história do Santo e dos desenhos rupestres que viraram lenda.

8 de novembro de 2006

Prato cheio de cultura


O Beco da Lama ficou lotado de gente que prestigiou o primeiro sádado do 3º Pratodomundo - Festival Gastronômico do Beco da Lama.

O primeiro sábado do 3º Pratodomundo - Festival Gastronômico do Beco da Lama foi só o prato de entrada para os freqüentadores do Centro Histórico de Natal. A movimentação nos restaurantes concorrentes começou por volta de meio-dia, atraindo, além do público habitual, gente que passou pelo Beco da Lama só para conferir as novidades no cardápio.
A paisagem não lembrava nem um pouco o Beco da Lama de outros dias da semana: exposições de quadros, de camisetas, sebos ao ar livre vendendo de roupas a discos de vinil e muita, muita gente - para um primeiro dia de evento.
Já era por volta das 16h quando o 'maestro' Jorge Negão começou o périplo de seu Folia de Rua pelas ruas do Centro, num circuito que privilegiou cada restaurante participante. Foi como se a cidade se reconciliasse com seu passado de tradição em cultura popular. No encerramento, os Caboclinhos do Folia de Rua, formados só por crianças, foram, no mínimo, emocionante.
No palco armado na Rua Dr. José Ivo - o famigerado Beco da Lama -, o guitarrista Carlança e trio (com Barbosa no baixo e Juquinha na bateria) estavam a postos para seu número instrumental. O repertório era “igual a caldo-de-cana‘‘, como explicou o músico. Ou seja, feito na hora. Quer outra frase de efeito? “Detesto canário‘‘, afirmou Carlança, quando pediram para ele cantar só umazinha. Também, com os trinados que ele arranca da guitarra, talvez uma voz só atrapalhasse. Eclético, o trio se esmerou em versões de Estamos Aí, de Durval Ferreira, das bossas Samba de uma nota só, de Tom Jobim, e Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá e Antonio Maria. Para arrematar, uma versão ’guitarra brega’, como classificou o próprio Carlança, de A moto, de The Pop’s - essa só pra quem conhece mesmo.
O primeiro dia do Pratodomundo fechou com a apresentação de Pedrinho Mendes, num show que colocou todo mundo para dançar. Seja com músicas próprias, como o hino Linda Baby, ou em versões inspiradas, como em Filho de goiamum, de Elino Julião, e a Geni de Chico Buarque (esta com a participação de Geraldo Carvalho), Pedrinho fez uma apresentação que comprova a maturidade de sua música. Acompanhado de Jailton na percussão, Wagner Tsé na bateria e Sérgio Mendonça no baixo, o cantor e compositor deu uma pequena mostra do que se pode esperar de Escute aqui‘‘, disco em finalização que pretende lançar ainda este ano.
No próximo sábado, o cardápio musical conta com as participações de Congos de Calçolas da Vila de Ponta Negra, Geraldo Carvalho e Alcatéia Maldita. O palco será armado por trás do camelódromo, próximo à Secretaria Municipal de Finanças. Apareça por lá e deguste com moderação, lembre que são quatro sábados consecutivos.
O 3º Pratodomundo - Festival Gastronômico do Beco da Lama tem o patrocínio da Prefeitura do Natal, Fundação Cultural Capitania das Artes, Lei Djalma Maranhão, Cachaça 51, Offset Gráfica, RN Econômico e Projeservice. Também apóiam esta iniciativa a Agência Cultural SESI/SEBRAE, Fundação José Augusto, SECTUR - Secretaria Municipal de Turismo, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Comunitário e Cachaça Maria Boa.
Matéria publicada no Diário de Natal, em 07 de novembro de 2006.

6 de novembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte V

Professor Ary (titular), em sala de aula, com alguns adolescente do projeto "Tributo à Criança", no 2º Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente.
Natal, 28 de setembro de 2006.

De onde veio o Cordel
(Zé Maria de Fortaleza e Arievaldo Viana)

Não se sabe exatamente
O cordel de onde veio
Alguns afirmam que os mouros
Lhe serviram de correio
Até a Península Ibérica
E de lá pra nosso meio.

Pois lá na Península Ibérica
Cordão se chama cordel
Onde eram penduradas
As folhinhas de papel
Nascendo daí o nome
Desta cultura fiel

É público e notório que nossos alunos do projeto “Tributo à Criança” não têm hábito de leitura, seja por falta de oportunidade, devido às condições sócio-econômicas em que vivem, ou por falta de estímulo próprio. Nós decidimos utilizar no nosso projeto de aulas a Literatura de Cordel, tentando empregar a simplicidade do texto popular e de fácil entendimento. Nosso primeiro objetivo era mostrar aos alunos a origem do cordel, a função (político, social, histórica, etc...), a forma, alguns autores e desenhos de xilogravura.

Além de narrar os entreveros dos sertanejos e os duelos mais curiosos, de descrever reinos mágicos e contar histórias mirabolantes, acreditamos que o cordel pode se tornar uma importante ferramenta no processo de desenvolvimento do conhecimento e alfabetização das pessoas. O folheto de cordel é um veículo de fabuloso fomento à identidade regional, tendo nas camadas populares seus mais constantes e fiéis consumidores, sendo através dos tempos valorizado e cultuado como a verdadeira e autêntica literatura nordestina, o livro de bolso do povo do sertão.

Usamos aulas expositivas e prática de leitura como metodologia inicial. Pesquisamos alguns métodos a ser utilizados e descobrimos que a importância de estudar o cordel em sala de aula está sendo enfatizada em um projeto ousado e inovador, por título “Acorda Cordel na sala de aula”. O projeto é coordenado pelo poeta popular, radialista, ilustrador e publicitário cearense Arievaldo Viana, nascido nos sertões de Quixeramobim, terra que também viu nascer o beato Antônio Conselheiro. O projeto “Acorda cordel na sala de aula” vem ganhando a simpatia de escolas da rede pública no Ceará, Tocantins, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Durante a aula expositiva, Concita falou sobre a origem do folheto de cordel e a tradição cultural que representa na identidade nordestina. Um mapa-múndi foi usado para fazer uma referência da rota dos povos que trouxeram o folheto para o Brasil. Além dos versos de Arievaldo Viana, utilizamos poemas dos cordelistas potiguares como Bob Motta e Boquinha de Mel, distribuídos entre os alunos para leituras e uso didático.

Um dos cordéis do poeta Arievaldo Viana, “A Didática do Cordel”, feito em parceria com Zé Maria de Fortaleza, ensina os segredos para construir e ler um bom cordel. São noções de rima, métrica e forma. De acordo com o criador do projeto “Acorda Cordel na sala de aula”, o método base deve permitir ao aluno exercitar o que aprendeu no folheto didático. Isso leva o estudante não só a praticar a leitura, mas, também, a se aventurar, como autor, no universo da literatura de cordel. E, quem sabe, descobrir-se um poeta popular!

Como não tínhamos dinheiro para adquirir os livretos de cordel que fazem parte do projeto pedagógico “Acorda Cordel na sala de aula”, utilizamos os cordéis dos poetas potiguares Bob Motta e Boquinha de Mel. “As aventuras de Juju”, “O homem que cagou na cueca”, “As proezas de Chico Tripa”, “A princesa encantada” e “O homem que morreu podre de rico” são alguns títulos do poeta Boquinha de Mel, o “Cangaceiro do Cordel” como gosta de ser chamado, que utilizamos em sala de aula. Do poeta Bob Motta, o livro utilizado foi uma antologia chamada “Cinco em Um - Literatura de Cordel”.

Com um pouco de dificuldade para prender a atenção dos alunos, terminamos nossa primeira aula ao toque estridente da sirene, que comunicava à hora da merenda. Durante a explanação da professora Concita não eram raros os momentos que as meninas ficavam com as cabeças baixas sobre os braços e os rapazes conversando entre si. A aula parava para a professora em exercício pedir a atenção de todos e negociar a continuação daquela ação pedagógica.

5 de novembro de 2006

Forte mostrará história do RN em painéis fotográficos


Sala do Forte dos Reis Magos com os fotográficos painéis nas paredes

Alexandro Gurgel

Os centenários salões da Fortaleza dos Reis Magos abrigarão enormes painéis fotográficos para contar a história da fundação de Natal e a construção do próprio Forte. No primeiro piso da fortaleza serão quatro painéis nas paredes, com mapas da época do descobrimento, cenas de caravelas, índios, holandeses e jesuítas, medindo 120m², com 2,5m de altura, numa exposição permanente da história potiguar.
Manequins cenográficos, em tamanho natural, representarão os heróis natalenses Mascarenhas Homem, sentado na sua mesa, na sala de comando do Forte dos Reis Magos, ao lado de Jerônimo de Albuquerque e Felipe Camarão (o índio Poti), vestidos com toda a indumentária do século XVI.
O artista gráfico Antônio Lucena é o responsável pela concepção e impressão dos painéis, tendo o suporte da fotógrafa, produtora e pesquisadora Ianê Heusi. Os dois foram convidados pela museóloga Ana Maria Miranda, através da Fundação José Augusto, para desenvolver o projeto no Forte dos Reis Magos.
Antônio Lucena e Ianê Heusi já fizeram um trabalho semelhante no Memorial Djalma Marinho, anexo da Câmara Municipal do Natal, onde grandes painéis contam a história da Casa, retratando todos os seus presidentes. Através da empresa "Arte @ Metro", a dupla também prestou serviços gráficos à prefeitura do Rio de Janeiro e para empresas privadas como a rede de lanchonetes McDonald's.
A idéia da diretora geral da FJA, Isaura Rosado, aprovada pela governadora Wilma de Faria, é uma exposição permanente dos painéis e, enquanto os turistas visitam a quatrocentenária Fortaleza dos Reis Magos, suas paredes internas contam a história potiguar. "Utilizamos uma tecnologia de impressão fotográfica em qualquer superfície. Os painéis do Forte dos Reis Magos serão feitos de lona 'vinílica', um material resistente ao sal, evitando a corrosão pela maresia", ressaltou o artista gráfico.
A pesquisa histórica e o resgate de antigas fotografias tiveram a ajuda do acervo particular do arquiteto João Maurício Miranda, do Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza, da FJA - (Cedoc), do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Conforme o jornalista Eduardo Alexandre, coordenador do Cedoc, a exposição é da mais alta significância para a cultura do Estado. "Os painéis fotográficos em designer moderno, ricos em textos e ilustrações, contarão de forma simples a História inicial do Brasil, da Fortaleza dos Reis Magos e da cidade do Natal."
De acordo com o coordenador do Cedoc, os painéis serão inaugurados em meados de dezembro. "A partir dessa exposição, quem visitar a Fortaleza, vai sair conhecendo a História do chantamento do primeiro marco de posse da terra Brasil, como e porque foi construída a Fortaleza, e como se deu o povoamento da cidade, a partir da construção da capelinha que deu origem à cidade, na Praça André de Albuquerque de nossos dias", afirmou Eduardo.

Estrutura é tida como o mais importante monumento histórico de Natal

Guardando imponente a foz do rio Potengi, a Fortaleza dos Reis Magos é o mais importante monumento histórico de Natal. Mais antigo que a própria cidade, começou a ser construído em 6 de janeiro de 1598, dia dos Santos Reis. Não passava então de uma típica instalação militar do século XVI, uma frágil garantia de segurança para os portugueses, em constante embate contra franceses e índios.
Sua forma atual, lembrando uma estrela de cinco pontas, surgiu somente em 1614, num projeto do arquiteto militar Francisco Frias de Mesquita. Concluído em 1628, o novo forte ficou pouco tempo nas mãos dos portugueses. Em 1633, foi conquistado pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais, passando a chamar-se Castelo de Keulen.
O domínio holandês na região durou duas décadas e durante este período o Forte dos Reis Magos serviu não apenas como instalação de defesa, mas também de prisão para brasileiros e portugueses e casa de hóspedes para personalidades, como o príncipe Maurício de Nassau.
Hoje, além de ser a principal atração turística de Natal, a Fortaleza abriga a mais importante peça da História do Brasil: o Marco de Touros, primeiro a dar posse da terra brasileira aos portugueses.
Matéria publicada no jornal O Mossoroense, em 05 de novembro de 2006.

4 de novembro de 2006

O Pratodomundo começa hoje

Nasi fazendo uma meladinha no Beco da Lama. Pintura de Franklin Serrão.

O Beco da Lama ainda dá um caldo. E também feijoada, churrasco, arrumadinho, costelinhas e tudo mais que a cozinha de boteco tipicamente potiguar pode oferecer. É o que poderá ser degustado na 3ª edição do “Pratodomundo - Festival Gastronômico do Beco da Lama”, que abre o apetite dos freqüentadores da Cidade Alta nos dias 04, 11, 18 e 25 de novembro. Atrelado ao cardápio, uma programação que inclui música, artes plásticas e exposições, revelando um banquete para muitos talheres.
Os restaurantes e seus respectivos pratos são os seguintes: Bar da Mainha, com o pato na laranja; Bar da Meladinha, e sua feijoada; Bar do Aluísio, e a língua ao molho de bacon; Bardallo’s, com o peixe ao Beco; Bar da Amizade, e a galinha com feijão tropeiro; Bar da Fátima, com o arrumadinho; Bar da Nazaré, e o cupim ao molho Beco; bar/restaurante Inverno e Verão, e a vaca atolada; Bar do Seu Pedrinho, com as costelinhas de porco ao molho SAMBA; e o bar/restaurante Caicó na Brasa, com seu churrasco. Os participantes serão avaliados nos três primeiros sábados do evento, sendo o campeão conhecido no dia 25/11.
A programação musical já tem confirmados nomes que fazem um panorama variado da música local, da MPB ao rock. Neste sábado, o agito começa às 15h, com o grupo parafolclórico Folia de Rua; às 16h, será a vez do guitarrista Carlança. E o encerramento do dia será com Pedrinho Mendes. Virão ainda na seqüência, apresentações de Geraldinho Carvalho, Raul e a Alcatéia Maldita, Rodolfo Amaral, Khrystal, Romildo Soares, Os Grogs, e grupos folclóricos e parafolclóricos como Congos de Calçola de Ponta Negra, Boi-de-Reis de Manoel Marinheiro, e os Caboclinhos de Ceará-Mirim.
A novidade deste ano fica por conta do “Pratodomundo - Artes & Idéia”, programação cultural especial para as quintas e sextas-feiras anteriores a cada etapa do festival. Estão previstos lançamentos de livros, oficinas, exposições, mostra de vídeos, e outras surpresas que darão um sabor a mais na gastronomia do Beco da Lama.
A exposições em aberto contam coletivas de artes plásticas no Bardallo’s e no Bar de Nazaré; mostra “Mãos a obra”, com textos visuais de Bianor Paulino, no Bar da Fátima; bricolagens de Civone Medeiros no Bar da Mãinha; Tiago Vicente expõe pratos concorrentes no Bar da Meladinha; banners de eventos da SAMBA no pátio interno do Museu Café Filho. Além disso, nos shows deste sábado, dois grafiteiros estarão desenhando no palco.
“Nosso objetivo é resgatar o centro como referencial de cultura e lazer”, afirma Dorian Lima, produtor executivo do Pratodomundo. O Beco e adjacências querem mostrar que são viáveis comercialmente. Os parceiros estão se esforçando, como a agência cultural do Sebrae. “A área tem uma vocação cultural indiscutível. Estamos preparando um questionário para mapear as fraquezas e potencialidades dos comerciantes, e trabalhar isso com cursos e oficinas. Será a próxima etapa”, diz Eduardo Viana, gerente da agência cultural.
O festival do Beco, acima de tudo, é irreverente, segundo Civone Medeiros, diretora adjunta da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA): “A gente brinca com os festivas gastronômicos europeus, e damos uma cara própria, a nossa cara”, diz. Os pratos não excedem R$10 no preço, com opções em porção mínima a R$3. “A maioria desses pratos podem ser encontrados no dia-a-dia”, completa. Vale salientar que no dia 11/11, será lançado no evento o livro “Caderno de Receitas Pratodomundo: A Mesa no Beco da Lama e Adjacências”, e ilustrações de Tiago Vicente.
Serviço
3º Pratodomundo - Festival Gastronômico do Beco do Lama.
Dias 4, 11, 18 e 25, na Cidade Alta.
*-*-*-*-
Matéria publicada na Tribuna do Norte

3 de novembro de 2006

Chuva de peitos na festa da Liberdade

Alexandro Gurgel
Na sua 8ª edição, o “Auto da Liberdade” se reafirmou como o maior espetáculo brasileiro, encenado em palco ao ar livre. Um mega-show disposto a celebrar a história de Mossoró, onde reúnem 2 mil pessoas em cena e 4 mil peças de figurinos, além de 600 crianças, 70 atiradores do Tiro de Guerra, 30 policiais militares, 300 maçons, 10 cavalos da PM (com montaria) e 60 atores de grupos teatrais da cidade.

A superestrutura do Auto da Liberdade foi montada na Estação das Artes Eliseu Ventania para encenar o pioneirismo mossoroense de Celina Guimarães, primeira mulher a ter direito ao voto direto no Brasil; da abolição da escravatura, em 30 de setembro de 1983; e da resistência ao bando do cangaceiro Lampião. O motim das mulheres, movimento contra o alistamento de jovens na cidade, rende uma bela coreografia com panelas reluzentes em mãos hábeis das bailarinas, cuja indumentária trazia a histórica notícia impressa em jornais daquele tempo.

Cuspidores de fogo, palhaços, acrobatas e trapezistas foram destinados ao ponto alto do espetáculo, em cenas que deveriam remontar a libertação dos escravos mossoroenses. Mas, o que se viu foi um palco circense sem analogia com as lutas abolicionistas da época. O renomado diretor teatral, Marcelo Flecha, buscando trazer a comunidade para o protagonismo, discrepou do texto de cordel original, escrito pelo jornalista Crispiniano Neto, especialmente para o espetáculo.

A boa concepção do diretor é observada com a introdução da peça teatral “Chuva de Balas no País de Mossoró” dentro do Auto da Liberdade, proporcionando o resgate da resistência dos bravos mossoroenses numa versão compacta e cheia de movimentação. Embora seja conhecida a verve libertária do povo mossoroense, a apelação entrou em cena mostrando meninas com os peitos de fora, fazendo um topless desnecessário para a dramaturgia. Era o momento preferido pelos fotógrafos, que se digladiavam com suas objetivas, procurando o melhor ângulo em meio a uma chuvarada de seios.

Com investimento acima de R$ 2 milhões na Festa da Liberdade, incluindo o Auto e o Cortejo, a Prefeitura de Mossoró envolveu toda a comunidade com uma programação paralela, através de seminários, shows culturais, oficinas literárias, exposições, desfile cívico e atividades esportivas.
Apesar de chamar a atenção da imprensa do sul do país, o Auto da Liberdade não conseguiu atrair um número de turista suficiente para preencher as vagas na rede hoteleira, como acontece durante o período junino. Com uma tradição teatral inata, o povo mossoroense saberá encontrar a fórmula ideal para prender a emoção do espetáculo com arte, deixando de lado elementos apelativos que nada acrescentam ao drama.

2 de novembro de 2006

Cú de Rã

Há três anos atrás, quando o Clube Atlético Potengi ainda jogava no Machadão contra o Potyguar de Currais Novos, na 1ª divisão do Campeonato Estadual, um jogador atleticano se destacava fazendo dribles desconcertantes, lançamentos perfeitos e fazendo gol.

O narrador da Rádio Poti não cansava de gritar: “Dirran é um craque”, “Dirran é uma revelação do futebol norte-riograndense”. E era Dirran prá cá, Dirran pra acolá. No final do jogo, o Clube Atlético Potengi perdeu por 3 x 1, mas o destaque daquele jogo foi o jogador Dirran.

Vendo aquele sucesso todo do jogador atleticano, um jovem foca da Rádio Poti foi fazer uma entrevista com o craque na beira do gramado e foi logo perguntando: “Você tem parentes na França? Esse seu nome é de descendência francesa?”. O jogador, vendo a inocência do jovem repórter, respondeu: “Não meu filho, meu apelido é Cú de Rã, mas não pode falar no rádio. Então, eles abreviam”.

1 de novembro de 2006

Memórias pedagógicas de um escrevinhador metido a professor - Parte IV

Cabeleireiras em ação fazendo asseio capilar nas crianças do Tributo.

Natal, 26 de setembro de 2006.

"Nesta vida, pode-se aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre, nunca ficar inativo
e chorar com força por tudo o que se quer." (Paulo Leminski)
Quando cheguei à sala de aula, atrasado e ofegante, o professor Ary já falava sobre as eleições que ocorreriam no próximo domingo, dia 1º de outubro. Com muito esforço, sempre pedindo a atenção daqueles alunos alheios ao assunto, o professor Ary discorreu sobre a importância do pleito e a responsabilidade de cada pessoa na hora de votar e escolher nossos representantes no poder.
O professor usou a propaganda eleitoral para exemplificar noções de cidadania, onde todos têm direitos e deveres perante uma sociedade democrática. Como forma de exercitar a tal cidadania e, de forma mais pedagógica, envolvendo os alunos no objeto da discussão, o professor tentou simular uma eleição entre os presentes. Imediatamente, uma algazarra tomou conta da turma por vários minutos. Outros alunos entravam na sala de aula para saber o que estava acontecendo. Poucos percebiam a presença do professor Ary. Algum tempo se passou até que alguém trouxe o aviso sobre um grupo de cortadeira de cabelos na escola e, aqueles que desejassem, poderiam cortar a cabeleira sem custos.
A aula acabou mais cedo porque havia algumas mulheres, aprendizes de um curso de cabeleireiro, treinando seus conhecimentos capilares nas cabeças das crianças e adolescentes assistidos pelo “Tributo à Criança”. A monitora das penteadoras, Maria Gorete de Araújo, disse que aquele era o último estágio das profissionais, uma forma de juntar o “útil ao agradável”, aludindo que não haveria custos para as famílias da criançada e todos ficariam bem aparentados.
Concita, professor Ary e eu fizemos uma pequena reunião para poder decidir o que faríamos nas nossas aulas práticas. Decidimos ficar na “sala dos professores”, lugar mais tranqüilo naquele momento. Mas, para nossa falta de sorte, em pouco tempo a sala foi ocupada pelas professoras que havia liberado as crianças para o asseio capilar.
Procuramos um lugar para uma rápida conversa, deixando a reunião para outra ocasião. Aproveitei para preencher a Ficha de Sondagem com o professor Ary, que prontamente se designou a responder tal registro de características pessoais. Na conta de vinte minutos, terminamos a sessão inquisitória. O professor voltou a juntar-se aos demais profissionais em volta da mesa para saborear a merenda, cujo prato do dia era um saboroso mungunzá, acompanhado com biscoitos crocantes e café preto. Um manjar!